Movimento da Palavra
Clique para Ampliar a Imagem
Clique para Ampliar a Imagem
Clique para Ampliar a Imagem
Clique para Ampliar a Imagem
Clique para Ampliar a Imagem
Clarice Lispector
Nos primeiros começos de Brasília, trechos
Brasília é construída na linha do horizonte. — Brasília é artificial. (...) Mas se digo
que Brasília é a imagem de minha insônia, veem nisso uma acusação; mas a minha
insônia não é bonita nem feia — minha insônia sou eu, é vivida, é o meu espanto.
Os dois arquitetos não pensaram em construir beleza, seria fácil; eles ergueram o
espanto deles, e deixaram o espanto inexplicado. A criação não é uma
compreensão, é um novo mistério.
(...)
Além do vento há uma outra coisa que sopra. Só se reconhece na crispação
sobrenatural do lago. — Em qualquer lugar onde se está de pé, criança pode cair, e
para fora do mundo. Brasília fica à beira.
(...)
Aqui eu tenho medo. — Este grande silêncio visual que eu amo. Também a minha
insônia teria criado esta paz do nunca. Também eu, como eles dois que são
monges, meditaria nesse deserto. Onde não há lugar para as tentações.
(...) Prenderam—me na liberdade. (...) Sou atraída aqui pelo que me assusta em
mim. — Nunca vi nada igual no mundo. Mas reconheço esta cidade no mais fundo
de meu sonho. O mais fundo de meu sonho é uma lucidez. —Pos como eu ia
dizendo, Flash Gordon ... — Se tirasse meu retrato em pé em Brasília, quando
revelassem a fotografia só sairia a paisagem.
(...)
É urgente. Se não for povoada, ou melhor, superpovoada, uma outra coisa vai
habitá­la. E se acontecer, será tarde demais: não haverá lugar para pessoas. (...)
De noite estendi meu rosto para o silêncio. Sei que não uma hora incógnita em que
o maná desce e umedece as terras de Brasília. — Por mais perto que se esteja,
tudo aqui é visto de longe. Não encontrei um modo de tocar. Mas pelo menos essa
vantagem a meu favor: antes de chegar aqui, eu já sabia como tocar de longe.
(...)
Essa beleza assustadora, esta cidade traçada no ar. Por enquanto não pode nascer
samba em Brasília. — Brasília não me deixa ficar cansada. Persegue um pouco.
Bem­disposta, bem­disposta, bem­disposta, sinto­me bem. E afinal sempre cultivei
meu cansaço, como a minha mais rica passividade. — Tudo isso é hoje apenas. (...)
Aqui é o lugar onde o espaço mais se parece com o tempo.
Água Viva, trecho da obra
É com uma alegria tão profunda. É uma tal aleluia. Aleluia, grito eu, aleluia que se funde com o mais escuro uivo humano da dor de separação mas é grito de felicidade diabólica. Porque ninguém me prende mais. Continuo com a capacidade de raciocínio ­ já estudei matemática que é a loucura do raciocínio ­ mas agora quero o plasma ­ quero me alimentar diretamente da placenta. Tenho um pouco de medo: medo ainda de me entregar, pois o próximo instante é desconhecido. O próximo instante é feito por mim? Ou se faz sozinho? Fazemo-lo juntos com a respiração. (...)
Eu te digo: estou tentando captar a quarta dimensão do instante­já, que de tão fugidio não é mais porque agora tornou-se um novo instante­já que também não é mais. Cada coisa tem um instante em que ela é. Quero apossar-me do é da coisa. Esses instantes que decorrem no ar que respiro: em fogos de artifício eles espocam mudos no espaço. Quero possuir os átomos do tempo. E quero capturar o presente que pela sua própria natureza me é interdito: o presente me foge, a atualidade me escapa, a atualidade sou eu sempre no já.
Evento
O Fundo de Apoio à Cultura, da Secretaria de Estado de Cultura do Governo do Distrito Federal, apresenta:
Movimento da Palavra
Série de 20 leituras poéticas, com interpretação corporal por meio da dança, de textos de Nicolas Behr, Arnaldo Antunes e Clarice Lispector. As leituras acontecem em 10 Bibliotecas Públicas do DF, com entrada franca, e abertas à comunidade.
Com concepção artística da performer brasiliense Thaís Kuri e colaboração de Juliana Vitória, o “Movimento da Palavra” tem como proposta criar uma tradução de poemas para a linguagem corporal. Para Thaís Kuri, idealizadora do projeto, “na poesia, emoções e sensações são evocadas pelo autor e ganham livres interpretações dos leitores, neste sentido, em nossos encontros iremos explorar estas ideias através de movimentos do corpo, de forma a estimular a curiosidade de quem assiste e o fazer passear através das nuances, sonoridades e ritmos de um texto literário”.
Estas leituras interpretativas de textos poéticos ganharão vida em 10 Bibliotecas Públicas do DF, instaladas em nove RA’s diferentes, entre os dias 29 de março e 8 de abril. Serão 20 sessões, duas em cada Biblioteca, com duração de 30 minutos cada, todas seguidas de oficina, uma espécie de jogo cênico de experimentação. “A oficina é o campo de interatividade de nossas intervenções culturais”, segundo Thaís, “será o momento no qual o público presente poderá vivenciar novas formas de apreciação de textos poético-literários”, vislumbra a performer.
Abertos ao público e de graça, estes encontros contarão, inclusive, com plateia formada por alunos da Rede Pública Educacional, dos Ensinos Fundamental II e Médio, crianças e adolescentes, de faixa etária dos 11 aos 17 anos de idade. “Contar com a presença destes alunos vai de encontro a um de nossos desejos, que é fomentar o interesse pela leitura”, diz Thaís. A proposta do projeto se alinha ao pensamento do educador Edgar Linhares, falecido em março de 2015, que afirmava: “o papel do mediador é agregar à experiência dos jovens os componentes das artes, que se articulam para enriquecer a leitura com o sentimento, a emoção, o ritmo e a imagem”.
A apreciação de “declamações performáticas”, como propõe o “Movimento da Palavra”, realizada em espaços de encontro e de literatura, as Bibliotecas, e seguida de oficinas, nas quais os presentes são convidados a declamar, para as performers executarem os movimentos; e a também experimentarem movimentos corporais, motivados pela poesia são, para Thaís Kuri “uma ferramenta de preservação e disponibilização de acervos históricos e culturais e, inclusive, de incentivar a comunidade a se apropriarem das bibliotecas do DF”. O projeto deve atender mais de 400 alunos, além do público espontâneo.
Bibliotecas:
30/03/2016 - Biblioteca Pública da Ceilândia, às 9h e às 10h da manhã.
31/03/2016 - Biblioteca Pública Machado de Assis, em Taguatinga, às 16h e às 17h.
31/01/2016 - Biblioteca Pública do Riacho Fundo I, às 19 e às 20h.
01/04/2016 - Biblioteca Pública de São Sebastião, às 9h e às 10h.
04/04/2016 - Biblioteca Pública da Cidade Estrutural, às 10h e às 11h.
05/04/2016 - Biblioteca Pública de Sobradinho, às 16h e às 17h.
06/04/2016 - Biblioteca Pública Vó Philomena, do Núcleo Bandeirante, às 9h e às 10h AM
07/04/2016 - Biblioteca Pública Monteiro Lobato, de Santa Maria Norte, às 16h e às 17h.
07/04/2016 - Biblioteca Pública do Gama, às 19h e às 20h.
08/04/2016 - Biblioteca Pública Carlos Drummond de Andrade, de Santa Maria Sul, às 9h e às 10h.
Brasília-DF
Oficina
Movimento da Palavra - Dançar em ritmo de poesia
Antes te dar início ao circuito por Bibliotecas Públicas, o “Movimento Palavra” realiza oficina gratuita no espaço cultural da Companhia Lábios da Lua, no Gama. Esta oficina tem como proposta instigar a investigação o movimento corporal inspirado na literatura, unindo ritmo, voz e dança à poesia. A metodologia, desenvolvida por Thaís Kuri, especialmente para o projeto, traz conceitos do teórico Rudolph Laban, que norteiam a prática de dança contemporânea.
Inscrições serão aceitas a partir do envio de currículo para thaiskuri@gmail.com até o dia 20 de fevereiro de 2016. A oficina tem duração de 20 horas-aula e é destinada a atores, dançarinos, interessados em artes corporais, em nível iniciante. O limite de vagas é de 15 e todos, com frequência mínima de 75%, receberão certificado.
Dias: Aos sábados, 27 de fevereiro, 5, 12, 19 e 26 de março de 2016
Horário: das 15h às 19h.
Local: Cia Lábios da Lua - Quadra 04, lote 16, Setor Sul, Gama-DF.
Informações: 9272-9411 (WhatsApp).
Espetáculo
O Movimento da Palavra
A pesquisa e a experimentação criativa, que norteia a mediação, irá produzir material para criação de espetáculo de dança contemporânea, no qual a sonoridade e o ritmo da poesia embalarão o movimento. Será realizada uma apresentação gratuita, ainda sem data nem local definidos.
Poemas
Arnaldo Antunes
Longe
Onde que eu fui parar, aonde é esse aqui?
Não dá mais pra voltar, porque eu fiquei tão longe, longe...
Onde é esse lugar?
Aonde está você?
Não pega celular e a terra está tão longe, longe...
Não passam carros sequer
Todo comércio fechou
Não tem satélite algum transmitindo notícias de onde eu estou
Nenhum email chegou
Nenhum correio virá
Eu entre quatro paredes, sem porta ou janela pro tempo passar
Dizem que a vida é assim
Cinco sentidos em mim
Dentro de um corpo fechado num vácuo de um quarto, espaço sem fim
Aonde está você?
Por que é que você foi?
Não quero te esquecer
Mas já fiquei tão longe, longe...
Não dá mais pra voltar e eu nem me despedi
Aonde é que eu vim parar?
Não Vou me Adaptar
Eu não caibo mais nas roupas que eu cabia
Eu não encho mais a casa de alegria
Os anos se passaram enquanto eu dormia
E quem eu queria bem me esquecia
Será que eu falei o que ninguém dizia?
Será que eu escutei o que ninguém ouvia?
Eu não vou me adaptar, me adaptar
Eu não tenho mais a cara que eu tinha
No espelho essa cara não é minha
É que quando eu me toquei achei tão estranho
A minha barba estava deste tamanho
Será que eu falei o que ninguém ouvia?
Será que eu escutei o que ninguém dizia?
Eu não vou me adaptar, me adaptar
Hoje o dia pousou na minha cabeça e clareou
Hoje o dia pousou na minha cabeça e clareou
Eu já não tenho mais certeza de nada
De tudo que ontem falei pra você
Socorro
Socorro, não estou sentindo nada
Nem medo, nem calor, nem fogo
Não vai dar mais pra chorar
Nem pra rir
Socorro, alguma alma, mesmo que penada
Me empreste suas penas
Já não sinto amor, nem dor
Já não sinto nada
Socorro, alguém me dê um coração
Que esse já não bate nem apanha
Por favor, uma emoção pequena
Qualquer coisa
Qualquer coisa que se sinta
Tem tantos sentimentos, deve ter algum que sirva
Socorro, alguma rua que me dê sentido
Em qualquer cruzamento
Acostamento
Encruzilhada
Qualquer coisa que se sinta,
Tem tantos sentimentos, deve ter algum que sirva
O Silêncio
antes de existir Computador existia a tevê
antes de existir tevê existia luz elétrica
antes de existir luz elétrica existia bicicleta
antes de existir bicicleta existia enciclopédia
antes de existir enciclopédia existia alfabeto
antes de existir alfabeto existia a voz
antes de existir a voz existia o silêncio
o silêncio
foi a primeira coisa que existiu
O silêncio que ninguém ouviu
astro pelo céu em movimento
e o som do gelo derretendo
o barulho do cabelo em crescimento
e a música do vento
e a matéria em decomposição
a barriga digerindo o pão
explosão de semente sobre o chão
diamante nascendo do carvão
homem pedra planta bicho flor
luz elétrica tevê computador
batedeira liquidificador
vamos ouvir esse silêncio meu amor
amplificado no amplificador
do estetoscópio do doutor
no lado esquerdo do peito esse tambor
Muito Muito Pouco
tem muito carro e muito pouco chão
tem muita gente e muito pouco pão
tem muito papo e muito pouca ação
muito parente e muito pouco irmão
e então?
o que vamos fazer então
com mais um milhão?
e depois?
o que vamos fazer depois
com um grão de arroz?
tem muito pouca dúvida e muita razão
tem muito pouca idéia e muita opinião
muita pornografia e muito pouco tesão
muita cerimônia e muito pouca educação
tem muito carro e muito pouco chão
tem muito dente e muito pouco pão
tem muito papo e muito pouca ação
muito pouca gente e muita multidão
e então?
Viva Essa Energia
No dia em que o céu beijou o mar
Fazendo a cama pro sol deitar
A noite veio cobrindo devagar
Com seu manto de luar
Ali foi gerado o novo dia
Trazendo pra terra a energia
Dando vida nova ao novo mundo
Ao som do mar e à luz do céu profundo
Viva essa energia
Viva essa energia
Todo mundo junto
Pra jogar
Viva essa energia
Viva essa energia
Todo mundo junto
Pra pular
Viva essa energia
Viva essa energia
Todo mundo junto
Agora pra vibrar
Viva essa energia
Viva essa energia
Todo mundo junto
Como o céu e o mar
Brancos de uma tribo anglosaxã
Bárbaros ibéricos e filhos de tupã
Incas e astecas, ianomâmis e tupis
Comanches pataxós, apaches guaranis
Ketu e angola, jeje nagô e iorubá
Gente do oriente, filhos de Alah
Todos vieram à beira da praia pra saudar
O amor de guaracy e iemanjá
Viva essa energia
Viva essa energia
Todo mundo junto
Pra jogar
Viva essa energia
Viva essa energia
Todo mundo junto
Pra pular
Viva essa energia
Viva essa energia
Todo mundo junto
Agora pra vibrar
Viva essa energia
Viva essa energia
Todo mundo junto
Como o céu e o mar
As matas no vento em movimento
Onça, tucano, macaco e arara
Circula a energia no ar todo dia
Banhando a baía de guanabara
As ondas do mar quebrando na areia
Ao ritmo swing do sangue na veia
De homens, mulheres, que vêm aos milhares
De tantos lugares, de tantas aldeias
Viva essa energia
Viva essa energia
Todo mundo junto
Pra jogar
Viva essa energia
Viva essa energia
Todo mundo junto
Pra pular
Viva essa energia
Viva essa energia
Todo mundo junto
Agora pra vibrar
Viva essa energia
Viva essa energia
Todo mundo junto
Como o céu e o mar